O Monte Tabor na Bíblia- 1
2024-04-15 11:58:35
Fr. ALESSANDRO CONIGLIO, ofm
Professor Studium Biblicum Franciscanum
Aqui estamos subindo as encostas do Monte Tabor, estamos no coração da Galileia. Atrás de mim estão as colinas onde também repousa Nazaré, a cidade onde Jesus foi concebido, por obra do Espírito Santo, no ventre de Maria. E abaixo de nós, do outro lado, o vale de Israel, no Antigo Testamento, nos nossos Evangelhos, em grego, Esdrelon.
O vale é muito rico do ponto de vista da agricultura. Israel significa, em hebraico, precisamente: Deus plantou e, no centro deste vale, se ergue o Monte Tabor.
É um monte não muito alto, mas, por ser isolado em relação aos picos que o cercam, certamente impressiona.
Chegando ao topo do Monte Tabor existe uma basílica, construída pelo arquiteto Barluzzi há exatos 100 anos, entre 1919 e 1924. E em 1924 houve a dedicação desta basílica.
Por ocasião deste centenário, queremos refazer com vocês as passagens bíblicas que dizem respeito a este importante lugar santo, para nutrir-nos da espiritualidade que através da Bíblia nos chega deste lugar, deste santuário.
Venham comigo!
Fr. ALESSANDRO CONIGLIO, ofm
Professor Studium Biblicum Franciscanum
Hoje gostaria também de parar e falar, de forma especial, sobre a função que teve o Monte Tabor, além de simples elemento fronteiriço para algumas tribos do Norte, recordando um episódio contado no Livro dos Juízes, um dos livros históricos do Antigo Testamento, para os cristãos, um dos livros proféticos anteriores, na tradição judaica.
O Livro dos Juízes refere-se a estas figuras que não tinham tanto uma função de natureza judiciária, como poderíamos pensar quando definimos uma pessoa como juiz, mas sim uma função de liderança, em situações de necessidade - um pouco como o ditador romano. Ou seja, foram figuras carismáticas suscitadas pelo Espírito para libertar Israel em momentos de particular necessidade.
Pois bem, há um juiz, a quem são dedicados dois capítulos do Livro dos Juízes, que na realidade não é um juiz, mas é uma juiza.
É uma mulher.
No quarto capítulo do Livro dos Juízes se lê:
Jz 4, 1-10
“Eúde estava morto e os israelitas começaram novamente a fazer o que era mau aos olhos do Senhor. O Senhor os entregou nas mãos de Jabim, rei de Canaã, que reinava em Hazor. O líder do seu exército era Sísera, que morava em Haroset-Goim. Os israelitas clamaram ao Senhor, porque Jabim tinha novecentos carros de ferro e oprimia duramente os israelitas há vinte anos.
Naquela época, uma mulher, uma profetisa, Débora, esposa de Lapidote, era juíza de Israel. Ela assentava-se debaixo das palmeiras de Débora, entre Ramá e Betel, nas montanhas de Efraim e os israelitas foram até ela para obter justiça.
Ela mandou chamar Baraque, filho de Abinoão, de Quedes de Naftali, e disse-lhe: “Saiba que o Senhor, o Deus de Israel, te ordena: 'Vai, marcha até o monte Tabor, e leva contigo dez mil homens de Neftali e de Zabulon, [duas das tribos que tinham o Tabor como fronteira natural] e atrairei para ti, no riacho Kizon, Sísera, líder do exército de Jabim, com seus carros e seu povo que é numeroso e Eu o entregarei em suas mãos."
Baraque respondeu: “Se você vier comigo eu irei, mas se você não vier eu não irei”.
Ela respondeu: “Bem, eu irei com você, mas a glória não será sua no caminho que empreenderes, porque o Senhor entregará Sísera nas mãos de uma mulher”.
Débora levantou-se e foi com Baraque para Quedes. Baraque convocou Zabulon e Naftali em Quedes. Dez mil homens o seguiram e Débora foi com ele.” Jz 4, 1-10
Neste ponto ocorre o confronto com o exército de Sísera.
Precisamente daqui, do Tabor, os exércitos de Israel descem ao vale de Esdrelon, em direção ao riacho Kizon, que fica sob o monte Carmelo, que funciona como outra fronteira natural deste vale.
E ali o exército de Sísera é derrotado.
O exército cananeu é derrotado pelos israelitas e Sísera foge. Ele foge para a tenda de Jael.
“Jael saiu ao encontro de Sísera e disse-lhe: “Pare, meu senhor! Pare por mim! Não tema". Ele entrou em sua tenda e ela o escondeu com um cobertor. Ele lhe disse: “Dá-me um pouco de água para beber, porque estou com sede”.
Ela lhe abriu um cantil de leite, deu-lhe de beber e depois cobriu-o novamente.
Ele lhe disse: “Fica na entrada da tenda. Se alguém vier perguntar, dizendo: “Está aqui algum homem? você dirá: nenhum”.
Então Jael, esposa de Éber, pegou uma estaca, agarrou o martelo, veio lentamente para o lado dele e enfiou a estaca em sua têmpora até que ela penetrou no chão. Ele estava dormindo profundamente e exausto, assim morreu.
E eis que veio Baraque, perseguindo Sísera. Jael saiu ao seu encontro e disse: “Venha, e lhe mostrarei o homem que você procura”. Ele foi até ela e eis que Sísera jazia morto, com a estaca em sua têmpora”.
O capítulo quinto também repete o mesmo episódio de forma poética.
Segundo alguns, o capítulo quinto do Livro dos Juízes é o escrito mais antigo que temos no Antigo Testamento. É a poesia mais antiga que encontramos na revelação do Antigo Testamento.
Por que é interessante este episódio, que tem o Tabor como centro de realização de todos esses episódios militares? Porque às vezes temos uma visão um tanto sexista e patriarcal do Antigo Testamento.
Pensamos que o Antigo Testamento, narrando episódios que dizem respeito a personagens que viveram bem antes de mil a.C., ou seja, há mais de três mil anos - este episódio poderia ter ocorrido há 3200/3300 anos - pensamos que na época a sociedade era governada predominantemente por homens.
E ao contrário aqui vemos como, nesta circunstância particular, duas mulheres são decisivas para a libertação de Israel: Débora e Jael.
Débora: juíza e profetisa; Jael: uma simples mulher estrangeira, esposa de um queniano, de um beduíno, diríamos hoje, que vivia em tendas e que dá a solução ao problema em que Israel se encontrava, matando Sísera e, portanto, libertando o povo.
Então isso se torna um estímulo para nós também.
Às vezes na vida podemos pensar que o nosso papel é menor, como o destas duas mulheres numa sociedade predominantemente masculina e patriarcal, como a do Antigo Testamento. Mas o Senhor também pode extrair de duas mulheres, até mesmo de duas figuras consideradas um pouco secundárias na história dos acontecimentos, eventos de salvação.
Com efeito, ele também pode gerar a salvação pelas mãos de algumas mulheres, precisamente para que entendamos que a salvação vem dele, que não somos nós com as nossas energias, com as nossas forças, com o nosso empenho, com o nosso engenho que encontramos a solução para os problemas do mundo. Mas se soubermos confiar como Débora e Jael ao Todo-Poderoso, a força para sair das situações difíceis, ela nos vem, e nos chega porque vem do alto, como um dom de Deus.
Portanto, Débora e Jael são apenas algumas das muitas heroínas sobre as quais o Antigo Testamento nos fala.
A cultura do Antigo Testamento é uma cultura, se quisermos, muito avançada também deste ponto de vista, porque sabe atribuir às mulheres papéis de direção da história, de liderança, de salvação.
Pensemos em outras figuras importantes da salvação, como Judite. Pensemos na figura de Ana, mãe do profeta Samuel, que prefigura Maria com o canto do Magnificat. Pensemos nas Matriarcas, ainda antes. Muitas figuras femininas que libertam e vencem para Israel porque sabem confiar-se a Deus, e talvez mais do que muitos homens.
E o Tabor, antes de mais nada, recorda-nos estas duas figuras, estas personagens femininas que são tão fundamentais para fazer progredir a história rumo à meta da salvação.
Fr. ALESSANDRO CONIGLIO, ofm
Professor Studium Biblicum Franciscanum
E agora finalmente chegamos ao destino da nossa peregrinação. O santuário do Monte Tabor, o Santuário da Transfiguração. Esta grande igreja, esta grande basílica foi construída entre 1919 e 1924 pelo arquitecto Barluzzi precisamente para celebrar este mistério da vida de Jesus: a sua transfiguração diante dos três discípulos, como ouviremos em breve na página do Evangelho.
E aqui tudo, de fato, nos fala de luz. Sabemos que João Paulo II inseriu o mistério da Transfiguração de Jesus nos mistérios luminosos do Santo Rosário, que acrescentou no início deste século à recitação dos 15 mistérios tradicionais do Rosário.
Aqui tudo nos fala desta luz, da luz do mistério, deste acontecimento na vida de Jesus, deste acontecimento de manifestação, de revelação, que Jesus conseguiu realizar no topo deste monte.
Na realidade, se nós, como veremos agora no Evangelho, prestarmos atenção ao que o próprio Evangelho nos diz, não saberemos situar geograficamente, de forma precisa e perfeita, qual é o lugar, qual é o monte, o local exato onde ocorreu esse acontecimento na vida de Jesus.
Mas os evangelistas falam-nos de um monte alto e este, como já referimos antes, é um monte que parece elevado, alto, não tanto pela sua altitude absoluta, mas pelo seu isolamento em relação aos montes circundantes, neste vale de Israel, o vale de Esdrelon, sobre o qual este pico de alguma forma domina.
Então vamos agora ler o episódio da Transfiguração.
O encontramos em todos os três evangelhos sinóticos, ou seja, encontramos tanto em Mateus, Marcos e Lucas, mas eu gostaria de lê-lo para você em sua versão provavelmente mais antiga, mais original, mais primitiva, a do Evangelho de Marcos, que parece ser o primeiro a escrever um Evangelho após a morte e ressurreição de Jesus.
E estamos no capítulo nove do Evangelho de Marcos, no versículo dois.
“Seis dias depois, Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João e os levou sozinhos a um alto monte. Ele foi transfigurado diante deles e suas vestes ficaram brilhantes, muito brancas. Nenhum alvejante na terra poderia torná-las tão brancas. E Elias apareceu-lhes, com Moisés, e estavam conversando com Jesus.
Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: “Rabi: é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas, uma para você, uma para Moisés e uma para Elias”. Na verdade, ele não sabia o que dizer porque eles estavam com medo. Uma nuvem veio e os cobriu com sua sombra e da nuvem saiu uma voz: “Este é meu filho, o amado. Ouça-o." E de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, exceto Jesus sozinho com eles."
Fr. ALESSANDRO CONIGLIO, ofm
Professor Studium Biblicum Franciscanum
Os outros evangelistas nos dão outros pequenos detalhes, comparados com o que nos conta o evangelista Marcos. Por exemplo, o evangelista Mateus observa - porque Mateus está mais atento às antigas tradições judaicas - que, depois de ter sido transfigurado diante deles, estamos no capítulo 17 de Mateus, no versículo dois, "seu rosto brilhou como o sol e suas roupas tornaram-se brancas como a luz."
Este brilho do sol nos será recordado por um episódio ao qual teremos que voltar e depois no final, o evangelista Mateus, no capítulo 17, versículo sete, diz assim: “Mas Jesus chegou perto, tocou-os e disse: “Levantem-se e não tenham medo.” Porque os discípulos caíram com o rosto por terra - no versículo seis - e ficaram cheios de grande temor ao ouvir a voz que vinha do céu”.
Este medo, esta prostração com o rosto em terra, retornará também na leitura que faremos desta passagem à luz do Antigo Testamento. E por isso o evangelista Mateus, atento a estas correspondências com o Antigo Testamento, orienta-nos para o caminho justo.
Lucas, porém – nos relata a Transfiguração no capítulo nono, como o evangelista Marcos - e relata oito dias (não seis), depois os discursos, ou seja, depois que Jesus é reconhecido por Pedro como o filho do Deus vivo, como o Cristo de Deus na versão lucana.
Então, oito dias depois, ocorre a Transfiguração. Segundo Lucas, Moisés e Elias, que apareceram em glória, falavam do seu êxodo que estava prestes a acontecer em Jerusalém.
Também Lucas, com esta menção ao êxodo, nos orienta: tanto em direção a um Livro bíblico que é pano de fundo para o episódio da Transfiguração, quanto ambos nos dizem, que o que Moisés e Elias falam com Jesus é a sua saída do mundo, para voltar para a glória de seu Pai.
Então agora nos perguntamos: mas o que significa o episódio da transfiguração na vida de Jesus? E sobretudo, porque é que Moisés e Elias aparecem na sua glória, ao lado de Jesus transfigurado? O que significa esta referência a Moisés e Elias, ou seja, duas figuras do Antigo Testamento, feita pelos Evangelistas neste episódio da vida de Jesus? O que o Pai quis nos comunicar, revelar-nos através da presença destes dois grandes personagens do Antigo Testamento? Isso veremos agora, juntos...
No próximo episódio, Frei Alessandro Coniglio nos falará sobre a figura de Moisés que aparece ligada à narrativa da Transfiguração.
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São Nicolau, o Peregrino, é um rapaz grego nascido em 1075, que conheceu Jesus quando tinha oito anos e, ao vê-lo, recebeu dele a oração do coração. Foi venerado como santo pelos católicos e assim permaneceu por aproximadamente nove séculos. Em 2023, os Gregos Ortodoxos da Itália incluíram-no no seu calendário litúrgico. Um santo verdadeiramente ecumênico, que tem muito a dizer aos peregrinos que hoje chegam a Jerusalém. Sua vida está escrita no livro de Pe. Natale Albino, Diplomata da Santa Sé.